Papa Leão XIII

Primeiramente, será verdade que a religião é o ópio do povo pelo fato de ensinar aos ricos os seus direitos? Desafiamos os comunistas a apontarem, em toda a história da Igreja, uma única passagem oficial em que ela use a religião como ópio do povo. Karl Marx nos seus melhores momentos e Lenine nos seus mais amargos, nunca protestaram com tanta justiça e com tanta delicadeza e exatidão contra a exploração dos pobres pelos ricos, como o fizeram Leão XIII e Pio XI.

Será que esta advertência de Leão XIII, por exemplo, soa como se ele estivesse defendendo os direitos do rico?: “Os ricos e os patrões devem lembrar-se de que explorar a pobreza e a miséria e especular com a indigência, são coisas igualmente reprováveis pelas leis divinas e humanas” (Rerum Novarum, Ed. Vozes, n.º 32).

E Pio XI, com maior ênfase, condena os ricos que são réus de exploração e de domínio: “É coisa manifesta que em nossos tempos não só se amontoam riquezas, mas se acumula um poder imenso e um verdadeiro despotismo econômico nas mãos de poucos, que as mais das vezes não são senhores, mas simples depositários e administradores de capitais alheios, com que negociam a seu talante. Este despotismo torna-se intolerável naqueles que, tendo nas suas mãos o dinheiro, são também senhores absolutos do crédito e por isso dispõem do sangue de que vive toda a economia, e de tal maneira a manejam, que ninguém pode respirar sem sua licença. Este acumular de poderio e recursos, nota característica da economia atual, é conseqüência lógica da concorrência desenfreada, à qual só podem sobreviver ordinariamente os mais fortes, isto é, os mais violentos competidores e que menos sofrem de escrúpulos de consciência. Por outra parte, este mesmo acumular de poderio gera três espécies de lutas pelo predomínio: primeiro luta-se por alcançar o predomínio econômico; depois combate-se renhidamente por obter o predomínio no governo da nação, a fim de poder abusar do seu nome, forças e autoridade nas lutas econômicas ; enfim, lutam os Estados entre si, empregando cada um deles a força e influência política para promover as vantagens econômicas dos seus cidadãos, ou ao contrário empregando as forças e predomínio econômico para resolver as questões políticas que surgem entre as nações” (Quadragesimo Anno, Ed. Vozes, nº 105-108).

Nessa mesma Encíclica o Santo Padre parece insinuar que, a menos que os ricos ponham a sua casa em ordem, devem estar preparados para a subversão da sociedade que o Comunismo fará cair sobre eles: “Digna de censura é a inércia daqueles que não tratam de suprimir ou mudar um estado de coisas que, exasperando os ânimos, abre caminho à subversão e ruína completa da sociedade” (Quadragesimo Anno, Ed. Vozes, nº 112).

Não há aqui, da parte da Igreja, apelo em favor disso a que chamamos liberdade econômica de amontoar riqueza sem consideração com a justiça social; Leão XIII também já condenara esse erro do Liberalismo. As Encíclicas indicam muito bem que a riqueza protege aqueles que a possuem, e não os que não a possuem; que a iniciativa abre novos horizontes para aqueles que podem conseguir a independência, mas não para aqueles que são escravos de salários semanais. Mas, pelo fato de haver a riqueza muitas vezes redundado em exploração, a solução das Encíclicas não é a dos comunistas, que quereriam destituir os homens da sua propriedade. O Santo Padre sustenta que a solução dos nossos males não está na destituição, porém na distribuição; se há ratos no celeiro, não é isto razão para que se toque fogo ao celeiro; é razão somente para que se enxotem os ratos.

Nem é verdade, como Lenine insinuou, que a Igreja pede aos ricos serem caridosos com o fim de cobrirem as suas injustiças, dando-lhes assim um bilhete fácil para o céu. Como Pio XI afirma: “As riquezas terrenas não são garantia daquela bem-aventurança que nunca findará, antes pelo contrário, porquanto os ricos deveriam tremer ante a ameaça de Jesus Cristo — ameaça tão estranha na boca de Nosso Senhor, — de que muito estrita conta deve ser dada ao Supremo Juiz por tudo quanto possuímos”.

E se isto ainda não é bastante forte, então ouçamos as palavras de Pio XI sobre a caridade em relação com a justiça: “Com tal estado de coisas (divisão da sociedade em duas classes) facilmente se resignavam os que, nadando em riquezas, o supunham efeito inevitável das leis econômicas, e por isso queriam que se deixasse à caridade o cuidado de socorrer os miseráveis; como se a caridade houvesse de cobrir estas violações da justiça, que os legisladores toleravam e, por vezes, sancionavam” (Quadragesimo Anno, Ed. Vozes, n.º 4).

Em face destas afirmações oficiais da Igreja, semelhante às quais nem uma simples página existe em toda a literatura comunista, imediatamente evidente deveria ser que a religião não é o ópio do povo pelo fato de ensinar aos ricos os seus direitos. Estas passagens do Santo Padre acentuam, antes, os deveres dos ricos, e para um comunista é muito inconveniente acusar a Igreja de se aliar somente com os ricos, quando às almas a ela consagradas ela pede fazerem voto de pobreza. Não podemos colher uvas de abrolhos; como então poderia a Igreja colher da sua vinha o Pobrezinho de Assis, se plantasse somente o amor dos ricos?

(Em: Bispo Fulton J. Scheen. Comunismo: ópio do povo. Petrópolis, Vozes, 1952).